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Se joga! (mais uma vez)
“João Victor nasceu! Ele Nasceu!!!” Nos avisou com
entusiasmo a mais nova vovó do COB ao tentar ligar para o pai da criança.
Meu estimado Diário de Bordo, aqui estou com mais
algumas histórias para compartilhar com você! Histórias essas que aconteceram no 4° Andar do HC, no COB! Um
lugar onde tudo é mais intenso, onde as emoções ficam ainda mais à flor da
pele. E onde temos que tomar muito cuidado, pois no mesmo ambiente em que alguém
chora de extrema alegria, outro pode estar em lágrimas por uma grande tristeza.
Mas meu estimado Diário, ao lado da minha MCM, tive uma experiência inesquecível,
em todos os lados transbordavam amor, no qual nos banhávamos e nos alimentávamos! Incontáveis
sorrisos! Até das pessoas mais improváveis; daquelas que poderiam não ter
espaço para um sorriso, mesmo que pequeno. Vê-las sorrir foi indescritível!
Ao sairmos do arsenal (local em que nos arrumamos), espreitando pela
margem da porta, avistamos os primeiros olhares! Ao longe contei 3 com minha
limitada visão (desfavorecida pela miopia). Esses olhares nos encaravam e
sorriam! Eram muito curiosos. Mais perto, encontrei a enfermeira ao telefone.
Outro sorriso de volta. Avançando pelo corredor, chegamos na Senhorita
Risadinha. Uma conversa baseada apenas em risos e gargalhadas se estabeleceu
entre nós três. Ela só fazia rir, não falava, e assim eu e Marieta também
riamos. Aquelas risadas me energizaram muito! E acho que teve efeito similar em
minha parceira de aventuras, porque ficamos mais elétricos, ativos. Até que
algo inesperado acontece.
Entramos no quarto exatamente à frente da Senhorita Risadinha, e
conversamos com uma senhora que estava na maca do porque ela estava ali. Era
devido ao menino que tava dentro do bucho dela. Era pra lá que as gravidas iam,
ela explicou! Mas ficamos curiosos com a vaga que existia na maca ao lado, e
perguntamos se Marieta podia ficar ali, mas a dona do lugar chegou com auxilio
da acompanhante. Vagarosamente, ela sentou na cama, nos cumprimentou, e demonstrou
estar bem cansada e com dores. Marieta envolveu-a num delicado e saboroso
abraço. Tomado pela beleza daquilo fui puxado por uma força suave e invisível
para complementar o ato. E percebi que lagrimas percorriam o rosto dela, o rosto
de Cristiane. Mas em certo instante, ela se sentiu mal! Começou a querer
vomitar, levamos uma lixeira para ela e começamos a tentar tranquilizá-la e simulamos
como ela poderia respirar para melhorar. Tentamos fazer isso com o corpo bem
vivo, para não deixar a energia cair. E aos poucos ela foi melhorando e o
sorriso foi retomando suas proporções, assim como também fomos ficando mais
alegres.
“Está melhor?” Perguntamos.
“Obrigado!”
Não precisou de muito. Aquilo já era suficiente. Após um último abraço e
um sorriso ainda maior, seguimos viagem.
Lá fora do quarto, encontramos duas senhoras que conversavam sobre
avenidas! Dissemos que tínhamos vindo da avenida, mas que lá é muito ruim de
atravessar, porque tem muito carro, moto, caminhão...
“Carroça!” Complementou uma delas.
“Sim, carroça! A senhora veio pra cá de carroça?” Perguntei.
“Foi viemos de carroça!”
E ficamos conversando sobre a carroça e seus cavalos e combinamos de
pegar uma carona depois.
No caminho, encontramos a vovó que falei lá em cima. Ela estava muito
feliz e acompanha da tia do menino. E nos falou:
“João Victor nasceu! Ele nasceu!!!” E comemoramos!!! “João Victor
nasceu! Nasceu!”
“Ele tem os olhos e cabelo bem pretinhos!” Ela disse.
“Feito os meus!” Disse Marieta.
“E é bem branquinho!”
“Feito eu!” Respondi.
Tentamos ligar para o pai, mas sem sucesso. Ele estava no trabalho, não
atendeu. Desejamos sorte na ligação e continuamos andando até que encontramos
uma mãe com seu barrigão sentada na poltrona.
Após um conversa com o bebê la dentro, descobrimos que ele tava com
pressa de sair e convidamos ele para o mundo daqui de fora.
O quarto seguinte, infelizmente tinha uma porta invisível trancada por
dentro. Não conseguíamos entrar. Estávamos sem a chave. Mas batemos, e a simpática
moça das chaves levantou da cadeira e veio nos atender. Colocou a chave na
porta invisível, e abri-a convidando-nos a entrar e já se despedindo, pois iria
sair de lá um pouco. Conversamos com uma
senhora que gostava de beber pelo braço. Ela disse que estava tomando sangue e
que ele tinha um ótimo gosto, principalmente ao beber pelo braço.
A outra moça na cama ao lado estava rindo mas disse que não podia rir
muito pois estava com os pontos da cirurgia e doía. Assim ela tentava controlar
o riso. Compreendemos a situação e automaticamente ficamos sérios e parados.
Falamos baixinho pra ela ir parando de rir e ao fim o que ficou foi um belo e
inofensivo sorriso.
Em seguida, encontramos Isadora, a menina vaidosa que se maquiava e
dava chapinha antes de sair da barriga da sua mamãe. E nesse mesmo quarto,
havia uma mãe muito triste e quetinha no canto do quarto. Conseguimos ver o
esboço de seu sorriso ao darmos narigadinhas nela. Foi um momento bem delicado,
emocionante, e parecia que o tempo tinha parado. Dissemos que ia ficar tudo bem
e ela assentiu com a cabeça e seu sorrisinho cresceu um pouco. Não estávamos a
busca de sorrisos. Eles vêm como consequência. Mas sua manifestação nos
indicava que estávamos transmitindo algo bom. E isso é muito recompensador.
Ainda descobrimos uma dupla sertaneja que se conheceriam na
maternidade. João Lucas e Eduardo. No momento eles estavam em barrigas
separadas. Suas mães eram vizinhas de quarto e uma trabalhava na globo enquanto
a outra na record. A da Globo ia nos transmitir no NETV daquela mesma noite.
Em um dos últimos quartos, estava Vilma. A mulher dos olhos fortes,
brilhantes, penetrantes, intensos. Apreciei o encontro de Marieta e Vilma. Foi
lindo. Ambas fixas no olhar da outra. Nada mais. Apenas olho no olho. Chegamos
ate ela, admiramos seu olhar enquanto ela alternava entre o olhar da minha MCM
e o meu. Descobrimos que ela tinha um grande talento para pintar unhas. Era
muito ligada a moda. Combinamos de trazer uns sapatos de Paris para ela.
Durante a ida ao aeroporto para pegar o voo para a França esbarramos
com a linda e dona dos cabelos estilosos, tia do jantar. Conferimos o menu:
Canja de tartaruga e dinossauro e leite com café. Dois doutorandos chegaram e
pedira café para ela.
“Pra ele não! Ele tá de dieta zero!” falei.
“Eita! Verdade! Eu não posso! Mas me dê um para a doutora!” Retrucou.
“E você quer café?” A tia perguntou para mim.
“Quero! Só um pouquinho!”
Com meu café com leite na mão, fomos nos despedindo de todos e anotando
as encomendas para trazer de Paris. Vimos a vovó de João Victor, e ela já tinha
falado com o pai dele e encomendou alguns sapatos parisienses para o neto.
Partimos com a mala cheia de sorrisos, amor, brilho, saudades.
Estimado Diário de Bordo, essa última experiência de atuação foi
singular. Tentei falar menos. Agir mais. Mais fogo. Menos fumaça. Que momento incrível.
Que lugar intenso. Maravilhoso. Surpreendente. COB.
Quando visto a máscara e piso no setor, sinto um pulsar
inexplicavelmente prazeroso. Olhos atentos, curiosos. Corpo vivo. Mente livre,
aberta para o que o vazio revelar.
Aguardo ansiosamente o passaporte para minha próxima viagem.
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