sábado, 18 de outubro de 2014

Fazendo a diferença


   Mais um novo local: COB. Mais uma nova insegurança: como fazer pessoas que não podem rir, pelo menos sorrir? Mais uma nova complicação: Superlotação, falta de leitos, banheiros separados, grávidas passando mal. Mais um resultado: Por incrível que pareça, tudo saiu bem.

  Ao chegar ao COB, a confusão era tanta que não sabíamos onde pedir informação. Caio foi proibido de entrar no setor, tive que entrar para poder falar com alguém e assim pedir permissão para atuar. A moça que me recebeu, que eu não soube distinguir qual era sua função, muito agoniada me informou que o setor estava caótico, as grávidas estavam com muita raiva devido à falta de leitos e algumas estavam com complicações e muitas dores. Mesmo assim ela falou que poderíamos nos trocar no banheiro, antes da entrada para a ala restrita. Fui chamar Caio para assim adentrar o recinto, quando ele entrou junto comigo ficou perdido com a confusão, tentamos achar o banheiro para poder discutir o que fazer, mas logo fomos informados que eu deveria ir para um banheiro e ele para outro. O frio que estava em minha barriga, na verdade era um iceberg que destruía toda minha confiança e me afundava em medo.

   De súbito uma ligação, enquanto me desespero no banheiro. Caio me liga, diz que deveria ficar calma, ia dar tudo certo, mandou me vestir e encontrá-lo antes do banheiro dele, nós íamos conseguir atuar. O medo permanecia, mas a confiança de que estava com o melhor companheiro do mundo me sustentou, me vesti e fui encontrá-lo.

   Relembramos algumas coisas que vivemos na oficina, cantamos, fixamos tudo que era importante. Finalmente subi minha energia. E assim levantamos os narizes, dispostos a enfrentar o desafio.

    No primeiro quarto, vimos logo um desafio, Verônica e Márcia dividiam o quarto com uma grávida que não podia falar devido a dor na barriga. Verônica estava menos alerta, mas sempre mostrava simpatia. Márcia não ria, mas parecia criança, olhos atentos e brilhantes, e por incrível que pareça com aquela que menos podíamos falar, foi com quem mais conversamos, seja tentando adivinhar, seja fazendo gestos, com ela aprendemos a lidar com o silêncio sem perder o jogo.

   Neste dia visitamos todos os quartos e até mesmo os leitos improvisados no corredor. Em um dos quartos, as grávidas sitiam muita dor, foi muito legal perceber a sintonia minha e de Bufa. Vimos que ali não ia adiantar forçar nada, saímos desejando o melhor para elas.

   Em um dos quartos umas das acompanhantes era muito disponível. Ria bastante, interagia, propunha jogos e respondia. A sintonia com ela foi tão boa que conseguimos animar até as outras pacientes. Abordamos muitas grávidas indo ao banheiro. Na espera da fila, uma delas ria tanto ao dedurar Bufa para mim, “Ele já veio aqui com uma palhaça chinesa, de cabelo amarelo”. Minha indignação percorreu vários quartos.  No corredor, conheci minha sogra, o filho dela ia ser tão lindo que eu ia casar com ele, e Bufa vai casar com a tia dele.

   Em um deles um momento muito especial. Lá estava Mônica que acabara de ter dois gêmeos, ela dividia o quarto com Maria, uma grávida tão iluminada, tão feliz, tão disponível. Ela ainda ia ter dois lindos bebês. Maria se acabou de rir, com uma piada tão besta. Lá estava Maria Isabel, chamei ela de Bel, e perguntei se ela poderia a me dar seu mel.  Não sabia que uma coisa tão simples e boba, ia conquistar risadas tão boas e reconfortantes.

    No final do corredor um ato simples também fez a diferença. Uma grávida tão fofa, ia tirar sangue. De súbito ela ia ensinar Bufa a não ter medo de tirar sangue. O garrote virou uma pulseira, e a borboleta da agulha um lindo anel.

   Saímos daquele local realmente com a sensação de que fizemos a diferença. Posso estar enganada, mas cada vez mais eu saio com essa sensação das minhas atuações. Eu sei que pelo menos eu estou mudando. Colocando o medo para dormir, dando asas a boba que existe em mim, e tentando ver cada sorriso como uma conquista.

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