sábado, 4 de outubro de 2014

Contador de Histórias

 “Calma, você está indo fazer o bem, é isso que importa, o máximo que pode acontecer é ninguém nos querer, e acabarmos os dois nos corredores ajudando um ao outro.” Nossa, repeti essa frase para o meu MCM na segunda-feira várias vezes, mas para quem mais falei isso foi para mim mesma.

    Agora ia começar, minha primeira atuação no hospital. Ela ia colocar a prova tantas coisas, mas a mais importante delas era a capacidade de enxergar além dessa comissão analítica que sempre vem na minha cabeça, que cobra tanto, as vezes de tão pouco.

    Fomos para lá eu e Bufaflor, de fato esse menino já vem sendo o melhor companheiro do mundo para mim e minha família local a muito tempo. Meu irmão doido, meu cunhado, minha forma de retribuir os vários anos de bullying, definitivamente confiança nele não era o problema, o fato era, eu ia ter confiança em mim, para ser para ele a melhor companheira do mundo? Lá vem a maldita comissão analítica de novo.

    Chegamos ao sétimo andar, nos apresentamos e perguntamos se havia algum local onde podíamos nos trocar. Fomos para o local de repouso dos enfermeiros e começou o processo de preparação. Encontra o olhar. Acorda o corpo. Lá está o olhar do meu MCM, lembre se nada der certo, eu ainda tenho esse olhar para encontrar.

     Não sabia ao certo, mas de repente eu sentia liberdade de ficar rodopiando ou me mexendo sem sentir vergonha disso. Já fazia isso as vezes, mas sempre fugindo dos olhares, agora não, não me importava, se vissem minhas caretas, meu corpo mais solto. Quem fazia isto era Sebastiana, ou era Lívia? Não sei só sei que as duas gostavam da liberdade. No primeiro quarto, o rapaz que encontramos parecia nos ver e escutar, mas realmente não prestava atenção em nós. Ele reclamou da sua alergia e como sua pele ficava toda vermelha, e falamos: “Olha para gente, a cara toda vermelha, e estamos bem, e essa daqui não sai nunca.”. Ele riu. Algo na televisão lhe chamou atenção. Ficamos ali também sem saber muito como competir com aquilo. Nos despedimos, com muito gestos e palavras, e acho que sem nada cativar.               

       Continuamos a seguir o caminho, vimos um casal, e lá foi Sebastiana e Bufaflor pedir conselhos a eles. Sebastiana ficava chorando com a esposa, e Bufaflor sendo defendido pelo homem. Ela foi aconselhada a perdoar, a aceitar aquele abraço que Bufaflor queria dar. O casal ria, aconselhava, consentia, as vezes se calava, mas algo os trazia de volta e eles novamente voltavam a nos ensinar. Nos próximos encontros, Sebastiana foi literalmente cantada, o moço quis até uma foto com ela. Seguindo, ela e Bufa encontraram um rapaz e seu amigo, eles estavam caminhando pelo hospital, e assim fomos com um deles até o quarto. Engraçado temos o mundo todo para explorar e isso não nos instiga, aquele corredor era comemorado, por aquele moço, por ser tão grande.

    No quarto estava ele, o contador de histórias, seu Cícero. Como ele mesmo disse, ele não precisava de um nariz para fazer graça, aquele quarto já tinha seu palhaço e nós fomos o suporte dele, rindo e instigando seu falatório, sua rivalidade com a sua MCM. Nós riamos, por motivos estranho dançávamos, mas mais do que tudo instigávamos seu Cícero, saímos para que ele pudesse falar mal de nós, segundo a moças do quarto, nossa aparição ia render falatório para a noite toda.

    No próximo quarto estavam três ótimas companheiras, elas tinham riso fácil, eram simpáticas, disponíveis, uma delas era a enfermeira. Acho que seu nome era Aurilândia, não sei escrever, nem pronunciar. Ela ria com tudo. O controle para acionar essa felicidade e para a risada gostosa que emitia, segundo ela, Deus deu. Nós tentamos acionar o controle várias vezes, quando menos tentávamos, era quando ele realmente ligava. Nossa teoria é que ele estava no queixo. Sebastiana apertou uma vez e ele ligou, vitória.

  No mesmo quarto estava Ivete e Arlete. Por mais que tentássemos, elas não queriam nos encontrar. Ivete disse que já tinha conhecido palhaços melhores, que cantavam e contavam histórias. Nos esforçamos, e as vezes até conseguíamos, mas o controle de Ivete era difícil de achar. Queria seu Cícero para me ajudar a me tornar esse contador de histórias que Ivete precisava.

   A energia já estava diminuindo, quando Irani chegou. O olhar dela era fácil de encontrar, ele era ávido por nós. Ela também tinha muitas histórias para contar e tudo que fazíamos a deixava mais feliz. “Por favor não vá, se forem vão me deixar tão triste”. Aguentamos o quanto podíamos, mas uma hora a energia estava baixando e tivemos que nos despedir.

    Na nossa saída, vi Arlete, sua seriedade que sempre foi o que nos ofereceu, foi embora quando lembrei seu nome. Ela me abraçou, e comecei a me perguntar, o motivo de antes não ter tido a capacidade de encontrá-la.

  É não ficamos no corredor Bufa, não ficamos sós. Não sei se segunda fui uma palhaça, se fui somente Lívia, se criei jogos, ou apenas conversei. A comissão analítica começou a questionar se realmente eu fui boa no que me dispôs a fazer, mas eu lido com ela depois. O importante é que tenho risos para contar, foras para contar também, erros, acertos, incapacidades, facilidades, tenho muitas coisas para contar, e talvez quem sabe amanhã, eu posso usar elas para fazer alguém mais feliz.

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