quinta-feira, 5 de outubro de 2017

O tal do medidor de suvaqueira

O dia começou no Saara: o sol vermelho e o calor insuportável não davam para negar, o quartinho dos enfermeiros poderia ter sido confundido facilmente com aquele caricaturado inferno. Nunca agradeci tanto por ter saído para a ação - estava pronta? Jamais! Todavia, suada antes mesmo de começar.
Foi sair do quartinho encontramos nossa primeira interação. Ela perguntou de onde nós vínhamos, enquanto Saladino mostrava o buraco no teto onde ele morava, eu explicava como a rua tinha sido meu lar. Ela, porém, não acreditou e foi para escada conosco, alegando que tínhamos saído dali. Quando olhou para baixo, a mulher ficou admirada quantos andares de escada tinha. Saladino começou a falar: "imagina se alguém cuspi..." ele não teve chance de terminar a frase, e já estava eu cuspindo escada abaixo, visivelmente atitude de alguém bela, recatada e do lar.
A acompanhante dessa paciente chegou e começou a menosprezar o que eu e Palmito fazíamos ali, dizendo que era coisa para crianças, que éramos uns estudantes metidos, que estávamos ali tentando fazer uma graça. Mas você não pode mexer com o Mundo das Possibilidades sem receber algo em troca: um ser místico apareceu para dar um fora nas duas senhoras, uma anãzinha que estaria completando 60 anos naquele mesmo dia. Ela estava com o brilho diferente do que aquele ambiente inóspito e o motivo, queria ela deixar bem claro: seu velho estava bem!
Escrevo agora as melhores lembranças de um dia no setor cirúrgico:
Encontrar com um senhor que estava se preparando para amputar parte de seu pé e perceber que ele era a pessoa mais feliz que eu tinha visto no meu dia. Jogou conosco com tudo o que podia dar. Admitiu ter enrolado a mulher por 40 anos, mas que assim que saísse do hospital nos prometeu pedir ela em casamento com tudo o que tinha direito. Até que a enfermeira entrou no quarto e disse que iria medir a pressão e temperatura. Contudo, colocou na axila do nosso companheiro um medidor de suvaqueira, e verificou que a dele estava muito forte: em torno de 36. Disse que quem o acompanhava era sua nora, porque ela era uma mulher entendida, enquanto que ele não sabia ler ou escrever. Então fui testar seus conhecimento, admiti que era uma palhaça internacional e comecei a falar alemão para que ela pudesse traduzir para seu sogro. Resultado: nora defeituosa, dei o diagnóstico e mandei ele trocar, ele prometeu que faria isso também.
Próximo quarto pertencia as duas maiores risadeiras da história. Para encurtar a história, fabriquei uma flor e uma aliança feitos de guardanapo para Saladino pedir ao amor de sua vida em casamento. Após o comprometimento, descobri que ela é mãe de, nada mais, nada menos, que Aécio, aquele bonitão que aparece na TV. Não poderia perder a oportunidade de me oferecer para um cara rico, né. Posei para vários fotos para serem mandadas para meu pretendente.
Independente do quarto que íamos a enfermeira nos seguia para ver quem tava com a maior suvaqueira. Terminou sendo o Palmito, vê que vergonha!, 39 de suvaqueira e uma pizza embaixo do braço!
Uma das últimas interações foi no corredor, onde achamos uma ladroa que estava sendo escoltada pelos seguranças, que dizia ter ficado amiga de uma mulher que estava com ela a 2 meses naquele andar, mas que não sabia nem o nome dela e que sismou que eu parecia a minie. Mandei ela se arrepender dos pecados, né, com uma lista dessa, dificilmente o cara lá debaixo iria deixar passar. 
No fim do dia, o médico apareceu e Saladino não poderia deixar de me oferecer para ele. Meninas, para serviços de cupido, contatem meu MCM, ele faz você parecer a maior piriguete:
"Diz aí que tá com problema de coração para o médico"
"Ele é nefrologista"
"Ah, então diz aí que o problema é o rim, ué" 
O último quarto encontramos aquele ser místico de mais cedo, onde pudemos interagir mais um pouco e dar um abraço final.
Mas a melhor parte, para mim, sem sombra de dúvidas, foi voltar para o quarto e descer a energia com o melhor MCM do mundo. Sem combinar nada estávamos em frente um do outro e começamos a imitar um ao outro e rir genuinamente. Estávamos no quarto depois de 2h30min de atuação atingidos pelo calor do Saara, mas com a energia lá em cima, assim como a felicidade. 
Aprendizados do dia: O simples é o melhor. A felicidade não depende de nossas circunstâncias. O inesperado é o que marca.

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