domingo, 17 de abril de 2016

Every little thing is gonna be alright

Quinta feira. Me encontro com Bah por volta das 15h40. Vamos ao 11º andar, oncologia. Nunca tinha ido lá, tava bem nervoso. Felizmente,  Bah me descabaçou maravilhosamente, com todo respeito, obviamente (eu sei o que você pensou, Caio!). O quarto dessa vez tinha ar condicionado, nunca dei tanto valor a uma tempertura agradável na hora de por a pele quanto depois da última atuação, em nefro.
    Chegamos no setor e, de cara, já fiquei meio assim. Pela primeira vez quando perguntei "teve alguma morte no setor, algum quarto mais pesado...? a enfermeira disse "não, mas os dois pacientes do quarto 16 estão em cuidado paliativo. Na morfina e só esperando a hora". É estranho não escutar ela dizendo que não, que podemos ir em qualquer quarto à vontade.
    Quando estávamos nos arrumando no quarto, uma outra enfemeira entrou, mexeu nas coisas dela  e saiu. Assim que subimos o nariz e fomos abrir a porta...... ela estava trancada. Olhei pra Chayenne, ela olhou pra mim, e eu ri kkkkkkk. Batemos durante um minuto até alguém vir abrir pra a gente. Imediatamente fomos falar com a moça que tinha nos trancado no quarto. Até tive que segurar Bah pra ela não atacá-la!
     Logo no primeiro quarto que entramos já fomos muito bem recebidos. As duas moças estavam bem abertas ao jogo, e fluiu bastante. Aaah, uma coisa antes. Eu já falei que tenho tendência a ficar na zona de conforto. Minha tendência é a de repetir um jogo que dá certo.  Como o ambiente dos quartos é muito parecido, por mais que as pessoas sejam diferentes, muitas vezes um jogo acaba funcionando várias vezes. Conversei com Maroca sobre isso por esses dias e ela disse que não gostava da ideia, que cair nesse conformismo não era legal. Por isso, nessa atuação entrei pensando justamente nessa não repetição de jogos. Ouso dizer que deu certo. Não repeti ou o fiz muito pouco.
    Passamos então um tempo jogando com as enfermeiras e o médico residente (Dr. John - realmente é o nome dele). Queríamos também nos tornar residentes de 11º pra podermos aproveitar a geladeira "cheia" de delícias do andar. Quando ele nos ignorou, chamamo-os de baleia (algo do qual ele mesmo havia se denominado antes). Chayenne encrencou com Raíssa (a enfermeira que tinha nos trancado no quarto) de novo e tive de segurá-la mais uma vez. Não sei se foi exatamente nesse momento, mas em algum momento encostamos num enfermeiro um pouco mais velho e cantamos um reggae bem roots pra dançar com ele. A cara dele pra a gente era ótima.
Rise up this mornin',
Smiled with the risin' sun,
Three little birds
Pitch by my doorstep
Singin' sweet songs
Of melodies pure and true,
Singin', "This is my message to you-ou-ou:"    Fomos então ao quarto de seu Osvaldo e seu acompanhante Lucas. Esse último comprou TODOS os jogos que propomos. Poucas vezes vi alguém tão aberto à nossa intervenção quanto ele. Até escoltamos ele ao elevador, já que havia dois criminosos no andar - dois meninos que apareceram procurando água (e nós botamos ele pra correr - emoji de murrinho e de braço forte). Ao levá-lo no elevador, encontramos duas moças da limpeza. Uma delas se chamava Wanda. Olhei pra Chayenne. Chayenne olhou pra mim. Lemos nos olhos um do outro e começamos a cantar "Eles são seu paaaadrinhos, padrinhos mágicos. Tudo bem se o garoto tem PADRINHOS MÁ-GI-COS. Tô sabendo!". Isso, claro, com muita dança.
    Vimos que tava rolando um bingo no corredor Sul, e corremos pra entrar na brincadeira. Quem tava organizando era O Caminho, outro dos projetos de humanização do HC. Nos sentimos meio hostilizados lá. Eles não jogaram com a gente, cortavam mesmo, como quem diz que seu lugar não é aqui, hoje somos nós. Posso afirmar que deixaram de fazer uma interação que tinha tudo pra ser maaaaaassa!! Imagiina, pô. Dois palhaços, um bingo, um mói de paciente animado e umas 20 pessoas da oganização do Caminho. Teria sido épico... Chayenne até tentou descolar uma calcinha bem sexy, daquelas que ficam na altura do imbigo e de cor nude, mas não rolou.
    Voltamos pra onco e entramos num quarto onde as moças tinham nomes de cantoras. Decidimos cantar, já que ninguém mais o fez. Uma delas pediu sertanejos... o problema é que nem eu nem Bah somos exatamente fãs do rítmo. Depois de muito esforço conseguimos cantar "Borboletas" beeeeeeem meia boca assim. Sabe quando você canta a melodia mas fica murmurando coisas quaisquer e só falando uma ou outra palavras da música que você lembra? É, foi bem assim kkkkk
    Entramos num último quarto onde Dora nos disse que estava prestes a se tornar famosa! Ela tem um câncer raro nos rins e, segundo ela, sua cirurgia é bem difícil e igualmente rara e por isso ela ficaria famosa. Taí uma fama que não faço questão nenhuma de ter. Por ser o cirurgião, até rola, mas pra ser o cirurgiado... Mas já que ela precisa mesmo, vou esperar ansiosamente a manchete de primeira página mostrando que ela conseguiu!! Boa sorte, dona Dora!
    Já tava ficando tarde e fomos embora. Não foi uma atuação fácil, o ambiente é bem pesado. Os pacientes não são tão receptivos e reativos aos jogos quanto em outros setores. Ainda assim, o jogo fluiu. Vejo a onco como o oposto da pediatria. Essa última é cheia de vida, correria, barulho... a primeira, um lugar mais tenso, silencioso, onde muitos já estão no final da vida. Talvez por isso a Onco precise ainda mais da PERTO, justamente pra tentar tornar o lugar um pouco mais leve. E por isso também a PERTO precisa da Onco, pra que a gente veja a fragilidade do ser humano, e que são justamente os mais frágeis que precisam de mais empatia.
     Vendo tanto sofrimento, a vontade que dar é de chegar ao lado do leito de todo mundo ali e poder cantar sabendo que é de verdade:
 Don't you worry about a thing cause every little thing is gonna be alright!
É pra isso que praticamos a Medicina, pra que tudo fique bem no final. Espero poder fazer com que isso aconteça muitas e muitas vezes

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