segunda-feira, 3 de julho de 2017

Melhores que misoprostol - 3ª atuação


Atuar no COB do HC para qualquer estudante de medicina que já passou por lá como estudante é uma experiência pela qual se espera, e muito! O ambiente que era para ser de festa e celebração de todas essas novas vidinhas que estão sendo colocadas no mundo, é, na realidade, bastante hostil. Tirando isso, lá tá sempre muito lotado e precisando de gente para ajudar nas evoluções e ai vem aquele dilema estudante de medicina X palhaça... e se eu souber ajudar em alguma coisa, como fazer isso de nariz??  E ai, para além de todas as minhas questões, minha MCM linda ama essa área e pensa até em fazer residência em obstetrícia. Ou seja, éramos duas palhacinhas cheias de expectativas em relação àquele momento, e não poderia ter sido mais especial.

De cara nos demos com um COB todo reformado, cheio de novas regras da CCIH. Quase fomos barradas por não termos roupas de bloco, mas conseguimos conversar com a enfermeira e entrar para a atuação. No setor já fomos nos conectando com várias pessoas, pacientes, médicos... Durante um jogo de esconde-esconde, o chamado de uma acompanhante num dos quartos de expectação nos proporcionaria um ótimo esconderijo – fomos sem hesitar! Chegamos lá com tudo e nos deparamos com uma mulher em pleno trabalho de parto. O que duas palhaças estariam fazendo ali??? Ela não poderia estar mais exposta...vulnerável...nua...natural...plena...MULHER. Ficamos.

Nos apresentamos; conversamos com a baby que estava por chegar; descobrimos que ela, a mãe, estava com 8cm de dilatação; explicamos que não faltava tanto, mas provavelmente algo em torno de 1 ou 2 horas. Bom, erramos feio: mais 2 minutos de conversa e uma forcinha rotineira do trabalho de parto, e a cabeça da bebê apareceu!!!!!  A gente ficou a miiiil! Saímos correndo para chamar os residentes com a euforia de quem acabou de descobrir que tem o poder de agilizar um trabalho de parto só com um nariz e uma conversa mole... E ai, um balde de água fria – a enfermeira que tinha nos deixado entrar no setor voltou atrás e disse que realmente não poderíamos mais atuar pois não estávamos de roupa de bloco... Mas como assim??? A gente tava no meio de um trabalho de parto e ia ter que ir embora! Eu fiquei sem saber o que fazer... Fefe, com a maior naturalidade do mundo, mandou: “Então porque você não me dá uma roupa dessa ai? De presente....”. Eu ainda fiquei em dúvida se poderíamos atuar sem a pele, mas a vontade de estar ali era maior e foi o que fizemos!! Voltamos para o banheiro nas pressas e nos trocamos. Foi mágico ressignificar aquela roupa... deu até para manter algumas características da minha pele original e ainda rolou um desfile bem fashion no banheiro. Voltamos correndo para o quarto do parto e ele estava com a porta fechada. Ousamos pedir para entrar, não dava para perder aquele momento.

A sala tava quente, silenciosa e bem cheia: uma futura mãe e envolta dela sua acompanhante, uma residente e talvez uns 4 doutorandos homens. Judith e Felícia ficaram no cantinho atrás da porta bem espremidinhas – ter trocado de roupa para, em seguida, superlotar uma sala de parto, era seis por meia dúzia em termos de prevenção de infecção, mas de alguma forma me parecia que nossa presença era importante ali (dando um spoiler, foi com a gente a primeira foto da baby :D). E esse momento foi uma loucura, um mix de sensações – aquele silencio todo e todos aqueles homens envolta dela analisando o que acontecia, eu só queria chegar mais perto, dar uma de palhaça-doula...mas terminamos ficando lá no nosso cantinho mandando sorrisos e olhares e, de vez em quando, uma palavra ou outra.

A gente ainda foi atrás da pequenina para acompanhar os primeiros cuidados - como deve ser para um bebê recém-nascido se deparar, ao abrir os olhos pela primeira vez, com duas palhaças? Bom, que toda a energia positiva que depositamos naquela vivência tenha sido mais influente que qualquer impacto de um nariz vermelho...

Judith

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