Querido DB,
A atuação dessa semana foi atípica, Cami não teve como ir conosco para o setor, então, fomos só eu e Beatan. E, como o caos parece não ter fim, mais uma vez eu estava mais do que morta, mas, já tinha me comprometido, então tinha que atuar. Saí da minha prova, não muito reconfortadora, e fui diretinho para o setor, antes que desse tempo da bad chegar kkkk. O que me deixou um pouco mais animadinha foi saber que atuaria, mais uma vez, na nefro, onde tive atuações bem especiais com Risoleta maravilhosa, no semestre passado.
Eu acho o corredor da nefro diferente de todos os outros, não só pelos aspectos físicos, mas também porque as enfermeiras e os outros profissionais sempre parecem estar de bom humor, ou, pelo menos, sempre acolhem a gente super bem, não sinto como se estivesse incomodando alguém quando chego lá, é um corredor bem acolhedor, pelo menos pra mim. Chegar pra pegar a chave e já receber um monte de sorrisinhos já dá meio que um "boom motivacional" na gente. Mas, dessa vez, o boom não foi tão efetivo... tentar competir com a minha semana era desleal.
Chegou a hora de subir a energia. Acolhi aquele friozinho na barriga que sempre chega nessa hora, e agradeci, talvez pela primeira vez, pelo nervosismo que já estava bem instalado, porque estava fazendo meu coração bater a mil por hora e aumentando minha ansiedade e expectativa de descobrir logo o que (ou quem) encontraríamos ao cruzar a porta. Senti aquela já conhecida mistura de não estar pronta + medo, e logo me encontrei contando os segundos para subir o nariz e começar.
A atuação não durou muito, e nem envolveu muitas pessoas, mas os dois encontros que tomaram conta da maior parte da atuação foram os responsáveis por fornecer e manter o boom de que eu estava precisando, além de tirarem qualquer dúvida, que ainda poderia ter restado, sobre se eu deveria mesmo ter ido ou não atuar nesse dia.
O primeiro deles, foi com dona Vera, maravilhosa 💙. Como eu estava indo atuar em um dia da semana diferente do que ia no semestre passado, e como fazia muuito tempo que não ia na nefro, não esperava encontrá-la. Então, palavras não dão conta para dizer o que senti assim que abri a porta da hemodiálise e dei de cara com ela, que já dizia: "Come here, podem entrar!". Pareceu até que ela tinha sido colocada ali especialmente para eu encontrá-la. Nosso encontro foi maravilhoso como sempre, perguntei como ela estava e como andavam os livros que ela vinha escrevendo, e ela nos colocou a par de tudo o que tinha feito desde a última vez que nos vimos. Coralinda, que não a conhecia, teve o prazer de conhecê-la, e, como não podia faltar, dona Vera cantou bem baixinho duas ou três músicas pra gente, só pra matar a saudade.
E, o segundo encontrou, foi com Edson. Esse encontrou permitiu que eu comprovasse três coisas, principalmente: 1) Eu tenho uma dificuldade ENORME de não tratar por "senhor(a)" qualquer pessoa mais velha que eu;
2) O "na dúvida, hace" é um dos melhores conselhos que se pode dar a uma pessoa (e agradeço muito a Gentis por ter me dado esse);
3) Muitas vezes a solução pra um problema que possa parecer super complexo é, na verdade. bem simples, mas é realmente difícil fazer o simples.
Explicando brevemente cada um: por mais que Edson tenha pedido, me censurado, brigado comigo, e me chamado de "vovó" por estar me referindo a ele como "senhor", eu tentei com todas as minhas forças (e com toda minha atenção sobre o emprego de pronomes nas minhas frases) me referir a ele usando apenas "você" ou "tu", mas, um "senhor" ou um "senh..." sempre acabava escapulindo, involuntariamente, e ele ficou me julgando. Tentei até fazer um acordo com Coralinda, pra que toda vez que eu errasse ela me beliscasse, mas nem levando beliscão eu tive jeito! 😞
Quanto à dúvida, a questão foi a seguinte: enquanto estávamos conversando com dona Vera, vi Edson passando por a gente mais de uma vez e sabia que já tinha visto ele em algum lugar. Depois de um tempo, lembrei que em uma prática de nefro, o professor tinha pedido para colhermos a história de um paciente, que, por coincidência, tinha sido ele. Então, eu comecei a me lembrar de algumas coisas que ele havia nos contado, sobre a sua história pessoal, que poderiam despertar um certo tipo de preconceito, ou até um preconceito bem considerável, em qualquer pessoa, podendo despertar um sentimento de tentar evitar um pouco a interação com ele. Mas, refletindo sobre várias coisas na minha cabeça, eu percebi que queria muito ir lá falar com ele, mas ainda percebendo que algumas partes de mim podiam tentar sabotar essa interação, então, o que resolveu o impasse foi: "na dúvida, hace!".
E, a questão do fazer o simples, ocorreu logo após o momento que resolvi me direcionar ao local onde Edson estava. Quando começamos a nos aproximar, percebi que ele começou a falar algumas coisas, talvez para chamar a nossa atenção (ou para nos afastar), como se estivesse resmungando da vida, da doença, da dor, do ter que se submeter a fazer hemodiálise, questionando razões para aquilo ter acontecido com ele... Enfim, falando muitas coisas. Vi, então, uma barreira enorme entre nós dois. Ou melhor, um lago congelado. Comecei a ficar atordoada, sem saber se ignorava ele e interagia com um senhorzinho ali próximo que tinha cara de ser bem mais simpático (desde que não fossem pedir dinheiro a ele), ou se tentava algo, pra ver se dava certo. Optei então por tentar colocar meu dedinho no lago congelado, e ver se ele me sustentaria, ou, se quebraria, e me derrubaria na água gelada. Mas, e aí, o que fazer? Enquanto refletia, percebi que o enfermeiro Trampi (ou Maurice, ou Maurício ainda não descobri kkkk) preparava o cateter para para colocar no braço de Edson e começar o procedimento da hemodiálise. E foi aí, no meio de seus resmungues, que Edson falou que só fazia "levar furadas o tempo inteiro" e que "doía muito". PAM, veio a ideia. Juntei então cada pinguinho de coragem que esse nariz vermelho me fornece e perguntei, já me preparando para cair com tudo na água gelada: "Será que se eu segurar a mão do senhor, enquanto ele fura, melhora?" E o tempo que se passou entre o silêncio de Edson, a mudança da sua expressão, o olhar que ele me dirigiu, e a sua resposta, pareceu uma eternidade. "Pode ser, você pode tentar", foi o que ele respondeu. Depois de ter morrido e voltado umas cem vezes até receber essa resposta, e de um breve momento de incredulidade, eu me abaixei ao lado dele e segurei sua mão em um aperto, que logo depois foi incrementado por Coralinda, tentando, com todas as forças que consegui transmitir através de um aperto de mão, fazer com que a dor dele passasse. Depois disso, nossa conversa desabrochou. Acho que ainda não consegui processar dentro de mim tudo o que senti durante esse encontro. Mas, acho que posso chamar de surpresa, a minha reação ,ao perceber que desatamos um super nó com um simples segurar de mãos.
Esses dois encontros me deram, com certeza, muita coisa no que pensar...
E, pra finalizar, quando vimos chegando o carrinho com a comida, vimos que dera nossa hora. Mas, antes de sairmos, sempre tem espaço para dar abraços! E finalizamos a atuação com dois abraços bem gostosos, e com mais alguns sorrisos maravilhosos das enfermeiras guardiãs da chave.
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