Com tanta gente falando que é difícil, fiquei receoso de
pegar na segunda semana de atuação a pediatria. A gente ia ter pouco tempo
porque ia rolar reciclagem naquela tarde ainda. Saí com o celular no bolso, me
sentindo meio mal com isso, mas não consegui me organizar de outro jeito para
ir para a reciclagem que não por carona, e tinha que sair do setor quando as
pessoas chamassem. A preocupação com o celular sumiu bem rápido, não lembro de
pensar nele um segundo sequer durante o tempo em que estive no setor... até que
recebo uma ligação. Mas isso está lá pra frente.
Saímos do quarto dos enfermeiros e logo nos chamou a atenção
a janela/vidro-de-aquário que dava vista às macas de um dos quartos. Eram duas
garotas um tanto crescidas. Do lado de fora estava um menino que não se dispôs muito
à gente naquela hora, e nos voltamos às meninas do quarto com maior atenção. Brincamos
um pouco pelo vidro e entramos. Estamos lá um tempo com elas, e o garoto do
corredor, mais novo que as meninas, entra lá e fica parado, olhando pra gente
intensamente, com a cara fechada. Anda até a poltrona e se senta. Volta e meia
tentamos jogar com ele, mas ele não dá muita bola. Deixamos que fique ali
acompanhando, como parece que quer fazer. E eis que do nada desbota a se rir sem
parar. Ri alto, largo, com o corpo inteiro. Compramos o riso dele, e o quarto
todo está de repente só rindo. De nada em específico. De tudo em particular.
Damos mais um tempo por ali e saímos, acompanhados do garoto que me pega na mão
e vai com a gente até seu quarto. O outro garoto que está lá se encontra no
chão, com um monte de brinquedos espalhados ao seu redor. O garoto que veio com
a gente do quarto vizinho se senta e nos chama a fazer o mesmo. Sento também e
na hora que sento me aperreio. Que diabos passou na minha cabeça de sentar?
Olho em volta, estou cercado de bonecos e pecinhas e carrinhos. Os objetos ao
meu redor tomam um semblante de obstáculos, crescem, crescem e me sinto
oprimido pela prevalência destes sobre minha liberdade de ir e vir. O garoto
que acabei de conhecer diretamente à minha esquerda quer me apresentar a todos
os bonecos com quem está brincando, me inteirar da história que estava
acontecendo ali. E eu só consigo pensar em que forma eu vou conseguir inventar
pra sair dali. Me senti absolutamente preso ao chão, como se estivesse colado
nele. Como se fosse ficar lá para sempre, com tanta coisa em volta de mim. E
então o celular toca, e era a carona. Digo que é o papai noel ligando – estamos
longe do natal, mas ele já está organizando tudo, claro – e que ele precisava
da nossa ajuda. Saímos, eu mais corrido que Aaaah, porque tinha a reciclagem.
Saio pensando que não fosse a ligação eu estaria até agora no chão ainda com as
crianças, que preciso me resolver mais, de estar junto mas saber também
desligar, seguir, avançar. Estar disponível ao que ainda está por vir.
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