sexta-feira, 26 de maio de 2017

memórias de um cárcere momentâneo

Com tanta gente falando que é difícil, fiquei receoso de pegar na segunda semana de atuação a pediatria. A gente ia ter pouco tempo porque ia rolar reciclagem naquela tarde ainda. Saí com o celular no bolso, me sentindo meio mal com isso, mas não consegui me organizar de outro jeito para ir para a reciclagem que não por carona, e tinha que sair do setor quando as pessoas chamassem. A preocupação com o celular sumiu bem rápido, não lembro de pensar nele um segundo sequer durante o tempo em que estive no setor... até que recebo uma ligação. Mas isso está lá pra frente.


Saímos do quarto dos enfermeiros e logo nos chamou a atenção a janela/vidro-de-aquário que dava vista às macas de um dos quartos. Eram duas garotas um tanto crescidas. Do lado de fora estava um menino que não se dispôs muito à gente naquela hora, e nos voltamos às meninas do quarto com maior atenção. Brincamos um pouco pelo vidro e entramos. Estamos lá um tempo com elas, e o garoto do corredor, mais novo que as meninas, entra lá e fica parado, olhando pra gente intensamente, com a cara fechada. Anda até a poltrona e se senta. Volta e meia tentamos jogar com ele, mas ele não dá muita bola. Deixamos que fique ali acompanhando, como parece que quer fazer. E eis que do nada desbota a se rir sem parar. Ri alto, largo, com o corpo inteiro. Compramos o riso dele, e o quarto todo está de repente só rindo. De nada em específico. De tudo em particular. Damos mais um tempo por ali e saímos, acompanhados do garoto que me pega na mão e vai com a gente até seu quarto. O outro garoto que está lá se encontra no chão, com um monte de brinquedos espalhados ao seu redor. O garoto que veio com a gente do quarto vizinho se senta e nos chama a fazer o mesmo. Sento também e na hora que sento me aperreio. Que diabos passou na minha cabeça de sentar? Olho em volta, estou cercado de bonecos e pecinhas e carrinhos. Os objetos ao meu redor tomam um semblante de obstáculos, crescem, crescem e me sinto oprimido pela prevalência destes sobre minha liberdade de ir e vir. O garoto que acabei de conhecer diretamente à minha esquerda quer me apresentar a todos os bonecos com quem está brincando, me inteirar da história que estava acontecendo ali. E eu só consigo pensar em que forma eu vou conseguir inventar pra sair dali. Me senti absolutamente preso ao chão, como se estivesse colado nele. Como se fosse ficar lá para sempre, com tanta coisa em volta de mim. E então o celular toca, e era a carona. Digo que é o papai noel ligando – estamos longe do natal, mas ele já está organizando tudo, claro – e que ele precisava da nossa ajuda. Saímos, eu mais corrido que Aaaah, porque tinha a reciclagem. Saio pensando que não fosse a ligação eu estaria até agora no chão ainda com as crianças, que preciso me resolver mais, de estar junto mas saber também desligar, seguir, avançar. Estar disponível ao que ainda está por vir.

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