sexta-feira, 26 de maio de 2017

Dos outros

O natal se aproxima, e com ele vem um certo clima distinto ao espaço do hospital. O setor está decorado para a festividade, com guirlandas e pequenas miniaturas de papais noel. Ao sairmos do quarto onde nos trocamos vejo uma mesa em que estão sentadas algumas pessoas. Vou até lá, me sento também e converso um tempo com elas. Percebo pela periferia da visão que mais alguém tinha chegado lá no canto esquerdo da parede, e quando viro o rosto para o lado percebo que mais seis pessoas tinham aparecido, mas que nenhuma delas tinha pulseira de paciente, ou adesivo de acompanhante, e que eram todas tão jovens... Uma moça se senta e começa a falar com o grupo do horário e de coisas assim e entendemos que se tratava de outro projeto de extensão. Saímos de lá para ir ver os pacientes finalmente nos quartos do setor, mas acabamos de certa forma sendo aglutinados ao outro projeto, acho que principalmente porque eram quase vinte pessoas – pelo menos sentia que eram quase vinte pessoas. Possivelmente mais gente que isso até. Iam promover um bingo, com diversos prêmios a serem distribuídos aos pacientes e acompanhantes. Me senti desconfortável em diversos momentos por conta disso. A atenção naquela atividade me distanciava de sentir que podia interagir com profundidade com os pacientes de forma individual. O setor estava muito mexido, tinha muita gente andando e falando e passando de um lado pro outro. Em diversos momentos as pessoas do outro projeto jogavam para a gente que tínhamos que dar uma animada e chamar os quartos que não queriam participar do bingo. Não sei o que se deve fazer numa história dessas. Me senti usado, animador de festa. Começaram a puxar músicas para alegrar, e em todas as ocasiões olhavam para mim e para Aaaah, como se essa tarefa nos coubesse. Como se dependesse da gente que o projeto deles tivesse um bom dia de ação, feliz e pra cima e bonito e repleto de momentos ricos. Com isso acabamos ficando muito tempo por lá. O dia foi escurecendo ao nosso redor, e não tínhamos conversado com metade dos pacientes. Não porque não queríamos ou porque os pacientes não estavam dispostos, mas porque o bingo não deu espaço. Sai muito sem saber se a gente devia ter deixado de lado o outro projeto, se devíamos ter mesmo nos ajuntado e daí completamente comprado a história do bingo. Não estava nem um pouco pronto a ter que lidar com isso, e de fato não soube na hora resolver aquilo de um jeito que me deixasse sentindo que tinha feito bem, que estava tudo certo na forma como decidimos lidar com a situação. Fico achando que misturar as coisas é muito difícil. Que fugira da gente o controle de dizer o que somos e o que nos propomos a fazer. Eramos os palhaços deles, e eu acho que essa sensação vai tardar um tanto a assentar dentro de mim e deixar de ferir. 

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