sábado, 31 de outubro de 2015

A Noiva e a Viúva

Semana passada havíamos sobrevivido a inúmeras criaturazinhas querendo arrancar nossos narizes, mas agora estávamos prestes a entrar em um setor basicamente só com adultos. Será que eles comprariam o jogo? Conseguiríamos manter nossa energia alta?

Aquele dia tinha começado da pior forma possível, estava dando tudo errado. Eu tinha muita energia guardada, mas era aquela energia negativa, energia de quem estava p*** com a vida. Eu precisava de alguma forma convertê-la em algo bom...

As horas foram passando, as borboletas estavam voltando e de repente toda aquela negatividade estava dando espaço para o nervosismo. Ai ai ai ui ui ui, e agora, Emílio? Estamos prestes a ir ao 10° andar, onde só tem gente grande, o que será de nós?

De novo me encontro com minha MCM na entrada do HC, porém dessa vez, éramos só nós duas... Môni, Maroca, Amandinha não estavam aqui dessa vez para nos orientar, ai ai ai ui ui ui, socorro, Nathi!

Chegamos ao nosso destino, o corredor estava extremamente calmo e vazio, será que tem gente nesses quartos? Não encontramos o lugar para nos trocarmos, mas seu Severino nos salvou e indicou o caminho. Entramos no quartinho dos enfermeiros, tinha AR CONDICIONADO <3, nada de suor atrapalhando a hora de se maquiar!!! Enquanto nos trocávamos, entra Limão (acabei de batizá-la assim, ela era uma das funcionárias do andar, e daqui a pouco você vai entender esse apelido, Emílio), nos assustamos com a entrada súbita dela no quarto e dizemos: "Somos da palhaço e estamos nos trocandooo D: !!!". Ela respondeu com um "Eu sei", entrou no quartinho, saiu e nem sequer olhou pra gente... Okay, né?

Quando estávamos "prontas" (prontas nunca estamos, não é? Palhaço pronto é palhaço morto!), iniciamos nossa contagem, dessa vez foi Nathi que começou, LINDA! 1, 2, 3... Minha energia não possui nenhum traço daquela negatividade, ótimo! 4, 5, 6... Mais borboletas, vou mandá-las para meu olhar! 7, 8, 9... Concentra, concentra, pega o nariz! 10... EXPLODE ESSE OLHAR! Chegou a hora de sairmos, vamos? Então vamos!

Ao sairmos do quartinho, encontramos um funcionário que gritou "Oi amor!", na hora respondi "Oooooi amoooor" e ele disse que não era pra mim, como assim??? Usou, abusou e me jogou fora??? Aaaah isso não vai ficar assim, não vai ficar assim mesmo!!! Quando chegamos à recepção, Angelina viu um fantasma!!! Os enfermeiros disseram que quem visse esse fantasma teria que trabalhar no 10° andar até o resto de suas vidas. Por mais que eu procurasse esse fantasma, eu não o encontrei... Eu queria trabalhar no 10° andar...

Diferentemente da Pediatria, tivemos muito mais encontros dessa vez. Encontramos olhares de esperança como o de dona Helena, olhares um tanto melancólicos como o de seu Manoel, olhares divertidos como o de dona Sandra e olhares de alegria genuína como o de dona Mércia.

A primeira que encontramos foi dona Mércia. Como ela havia sofrido um AVC, não tinha condições de se alimentar sozinha, então sua acompanhante (infelizmente eu não consigo lembrar do nome dela...) estava lá para o que desse e viesse, ela arrasava enquanto colocava colher atrás de colher na boca de Dona Mércia. Logo quando encontramos dona Mércia, começou uma linda sequência de olhares, expressões e gestos. Apesar de linda, estava atrapalhando sua refeição, o que não era para ter acontecido!!! De repente começou um jogo onde ela imitava nossos gestos, e eis que surge Angelina com uma ideia brilhante: "Chayenne, agora abre a boca!". Logo quando abri, dona Mércia, seguindo a regra do jogo, abre a boca. Nesse exato momento, sua acompanhante sem hesitar e com uma destreza impecável, tasca uma colherada em sua boca! Todos riram nessa hora, incluindo dona Mércia (ela estava de boca cheia, então riu de uma forma linda com os olhos).

Encontramos uma paciente que lia um livro espírita (também não lembro o nome dela...) e ela estava inconformada com a situação do mundo, de como ele estava individualista e egoísta. Ela nos disse que deveríamos sempre fazer o bem e que toda vez que nos despedíssemos de alguém que gostamos, deveríamos dizer "vai com Deus!", admito que isso soa um pouco estranho pra mim, pois sou ateia. Mas entendo que muitas pessoas se sentem bem ao ouvir isso, então mesmo não acreditando, acho que é válido sim falar isso para pessoas que acreditam e que se sentem melhor ao ouvir.

Em seguida encontramos uma paciente (de novo não lembro do nome dela...) e suas duas acompanhantes: dona Sandra e outra (eu estava demais nesse dia, lembro do nome de ninguém! Próxima vez eu vou decorar o nome de todo mundo, prometo!). As três foram muito más com a gente, disseram que Angelina estava descabelada, que nós não tínhamos estilo e que nunca arrumaríamos ninguém vestidas daquele jeito! Como assim??? Nós temos estilo sim! Depois disseram que nós parecíamos uma noiva (Angelina), que nunca casaria vestida daquele jeito, e uma viúva (eu), que matou o marido quando apareceu vestida daquele jeito! Absurdo!

Encontramos aquele funcionário do "Oi amor!" outras vezes e por mais que ele tentasse remediar o que havia feito, eu não queria saber mais dele, o jogo virou, querido! Prefiro continuar viúva a ter que casar com você, passar bem!

Depois encontramos dona Helena. Ela estava louca para voltar para casa, ia receber alta no dia seguinte. Sentia saudade do cachorro, do gato e das suas plantinhas. Eu comentei que tinha azar com plantas, que não gostavam de mim e que preferiam morrer a terem que viver no meu quarto, elas sempre morrem! Ela então nos disse que não acreditava em azar ou sorte, que tudo dependia de nós e ainda me deu dicas de como cuidar das plantas. Disse que somos nomes eram lindos e nós dissemos que "Helena", além de ser o nome de Helena de Troia, significava "reluzente, iluminada". Ela parece ter gostado muito da definição.

Por fim, encontramos seu Manoel. Ele nos contou que era um agente secreto do FBI, que era mensageiro de Deus, cozinheiro, artesão, professor universitário... Ele já foi de tudo nessa vida, nós ficamos abismadas, como alguém conseguia ser tanta coisa??? Incrível! Enquanto ouvíamos sua enorme biografia, duas funcionárias passaram por nós. Os nomes delas eu fiz questão de não descobrir, não queria saber nada delas, nem nomes, cursos, profissões. Nem seus rostos eu fiz questão de gravar! Por que isso? Bem, nas duas vezes que elas passaram por nós enquanto ouvíamos seu Manoel, elas nos olharam de forma desdenhosa e riram. O motivo de eu não ter gravado nada delas: No nosso primeiro encontro eu tive uma péssima impressão delas, então a partir do momento que eu gravo qualquer coisa relacionada a elas, eu terei em minha memória algo ruim relacionado a elas. Então eu quero dar a chance de que se nos encontrarmos de novo, eu simplesmente não lembrarei de que foram elas que agiram dessa forma e poderei ser o mais receptiva possível. Quero dar uma chance não só a elas, como a mim mesma, de poder encontrá-las em um outro momento, em uma outra situação.

De repente, percebemos que nossa hora chegou e tínhamos que voltar para o quartinho. Nesse percurso encontramos quatro pessoas lindas em um quarto (não lembro do nome de nenhuma das quatro!!! Dessa vez eu me superei...). Dois pacientes e duas acompanhantes. O senhor perto da janela dormia serenamente enquanto sua esposa, uma senhora, o observava em sua poltrona. O outro paciente era um jovem que estava acompanhado de sua tia. As acompanhantes eram lindas e faziam questão de ressaltar como nossa presença as alegravam, mal elas sabiam que a presença delas nos fazia transbordar! O jovem não falava nada e a senhora nos disse: "Ele é muito tímido, se vocês conseguirem fazê-lo falar, a tia dele vai ganhar o dia!". Tentamos de tudo, fala oral, libras, linguagem ocular, corporal, tentamos de tudo mesmo! Até que quando começamos a conversar com sua tia, ele se intrometeu e emitiu três palavras! "Ele falou, ele falou, nós conseguimos!!!". Nessa hora o quarto virou uma alegria, mas dessa vez o jovem não emitiu nenhum som. Muito difícil esse menino!!!!

Infelizmente depois desse último encontro, tivemos que ir embora. Adoramos o 10° andar, foi algo muito muito muito mais além do que esperávamos. Tantos encontros, tantas histórias, tantos ensinamentos... Tantos e tantas! Espero voltar muito em breve e espero, por mais que eu sinta falta deles, não encontrar mais nenhum desses pacientes e acompanhantes por lá, desejo que todos estejam em seus respectivos lares e que sejam acolhidos da mesma forma que nós fomos. Espero voltar ao 10° andar e ter novos encontros com novas histórias e novos ensinamentos.

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