Semana
passada havíamos sobrevivido a inúmeras criaturazinhas querendo
arrancar nossos narizes, mas agora estávamos prestes a entrar em um
setor basicamente só com adultos. Será que eles comprariam o jogo?
Conseguiríamos manter nossa energia alta?
Aquele
dia tinha começado da pior forma possível, estava dando tudo
errado. Eu tinha muita energia guardada, mas era aquela energia
negativa, energia de quem estava p*** com a vida. Eu precisava de
alguma forma convertê-la em algo bom...
As
horas foram passando, as borboletas estavam voltando e de repente
toda aquela negatividade estava dando espaço para o nervosismo. Ai
ai ai ui ui ui, e agora, Emílio? Estamos prestes a ir ao 10° andar,
onde só tem gente grande, o que será de nós?
De
novo me encontro com minha MCM na entrada do HC, porém dessa vez,
éramos só nós duas... Môni, Maroca, Amandinha não estavam aqui
dessa vez para nos orientar, ai ai ai ui ui ui, socorro, Nathi!
Chegamos
ao nosso destino, o corredor estava extremamente calmo e vazio, será
que tem gente nesses quartos? Não encontramos o lugar para nos
trocarmos, mas seu Severino nos salvou e indicou o caminho. Entramos
no quartinho dos enfermeiros, tinha AR CONDICIONADO <3, nada de
suor atrapalhando a hora de se maquiar!!! Enquanto nos trocávamos,
entra Limão (acabei de batizá-la assim, ela era uma das
funcionárias do andar, e daqui a pouco você vai entender esse
apelido, Emílio), nos assustamos com a entrada súbita dela no
quarto e dizemos: "Somos da palhaço e estamos nos trocandooo D:
!!!". Ela respondeu com um "Eu sei", entrou no
quartinho, saiu e nem sequer olhou pra gente... Okay, né?
Quando
estávamos "prontas" (prontas nunca estamos, não é?
Palhaço pronto é palhaço morto!), iniciamos nossa contagem, dessa
vez foi Nathi que começou, LINDA! 1, 2, 3... Minha energia não
possui nenhum traço daquela negatividade, ótimo! 4, 5, 6... Mais
borboletas, vou mandá-las para meu olhar! 7, 8, 9... Concentra,
concentra, pega o nariz! 10... EXPLODE ESSE OLHAR! Chegou a hora de
sairmos, vamos? Então vamos!
Ao
sairmos do quartinho, encontramos um funcionário que gritou "Oi
amor!", na hora respondi "Oooooi amoooor" e ele disse
que não era pra mim, como assim??? Usou, abusou e me jogou fora???
Aaaah isso não vai ficar assim, não vai ficar assim mesmo!!! Quando
chegamos à recepção, Angelina viu um fantasma!!! Os enfermeiros
disseram que quem visse esse fantasma teria que trabalhar no 10°
andar até o resto de suas vidas. Por mais que eu procurasse esse
fantasma, eu não o encontrei... Eu queria trabalhar no 10° andar...
Diferentemente
da Pediatria, tivemos muito mais encontros dessa vez. Encontramos
olhares de esperança como o de dona Helena, olhares um tanto
melancólicos como o de seu Manoel, olhares divertidos como o de dona
Sandra e olhares de alegria genuína como o de dona Mércia.
A
primeira que encontramos foi dona Mércia. Como ela havia sofrido um
AVC, não tinha condições de se alimentar sozinha, então sua
acompanhante (infelizmente eu não consigo lembrar do nome dela...)
estava lá para o que desse e viesse, ela arrasava enquanto colocava
colher atrás de colher na boca de Dona Mércia. Logo quando
encontramos dona Mércia, começou uma linda sequência de olhares,
expressões e gestos. Apesar de linda, estava atrapalhando sua
refeição, o que não era para ter acontecido!!! De repente começou
um jogo onde ela imitava nossos gestos, e eis que surge Angelina com
uma ideia brilhante: "Chayenne, agora abre a boca!". Logo
quando abri, dona Mércia, seguindo a regra do jogo, abre a boca.
Nesse exato momento, sua acompanhante sem hesitar e com uma destreza
impecável, tasca uma colherada em sua boca! Todos riram nessa hora,
incluindo dona Mércia (ela estava de boca cheia, então riu de uma
forma linda com os olhos).
Encontramos
uma paciente que lia um livro espírita (também não lembro o nome
dela...) e ela estava inconformada com a situação do mundo, de como
ele estava individualista e egoísta. Ela nos disse que deveríamos
sempre fazer o bem e que toda vez que nos despedíssemos de alguém
que gostamos, deveríamos dizer "vai com Deus!", admito que
isso soa um pouco estranho pra mim, pois sou ateia. Mas entendo que
muitas pessoas se sentem bem ao ouvir isso, então mesmo não
acreditando, acho que é válido sim falar isso para pessoas que
acreditam e que se sentem melhor ao ouvir.
Em
seguida encontramos uma paciente (de novo não lembro do nome
dela...) e suas duas acompanhantes: dona Sandra e outra (eu estava
demais nesse dia, lembro do nome de ninguém! Próxima vez eu vou
decorar o nome de todo mundo, prometo!). As três foram muito más
com a gente, disseram que Angelina estava descabelada, que nós não
tínhamos estilo e que nunca arrumaríamos ninguém vestidas daquele
jeito! Como assim??? Nós temos estilo sim! Depois disseram que nós
parecíamos uma noiva (Angelina), que nunca casaria vestida daquele
jeito, e uma viúva (eu), que matou o marido quando apareceu vestida
daquele jeito! Absurdo!
Encontramos
aquele funcionário do "Oi amor!" outras vezes e por mais
que ele tentasse remediar o que havia feito, eu não queria saber
mais dele, o jogo virou, querido! Prefiro continuar viúva a ter que
casar com você, passar bem!
Depois
encontramos dona Helena. Ela estava louca para voltar para casa, ia
receber alta no dia seguinte. Sentia saudade do cachorro, do gato e
das suas plantinhas. Eu comentei que tinha azar com plantas, que não
gostavam de mim e que preferiam morrer a terem que viver no meu
quarto, elas sempre morrem! Ela então nos disse que não acreditava
em azar ou sorte, que tudo dependia de nós e ainda me deu dicas de
como cuidar das plantas. Disse que somos nomes eram lindos e nós
dissemos que "Helena", além de ser o nome de Helena de
Troia, significava "reluzente, iluminada". Ela parece ter
gostado muito da definição.
Por
fim, encontramos seu Manoel. Ele nos contou que era um agente secreto
do FBI, que era mensageiro de Deus, cozinheiro, artesão, professor
universitário... Ele já foi de tudo nessa vida, nós ficamos
abismadas, como alguém conseguia ser tanta coisa??? Incrível!
Enquanto ouvíamos sua enorme biografia, duas funcionárias passaram
por nós. Os nomes delas eu fiz questão de não descobrir, não
queria saber nada delas, nem nomes, cursos, profissões. Nem seus
rostos eu fiz questão de gravar! Por que isso? Bem, nas duas vezes
que elas passaram por nós enquanto ouvíamos seu Manoel, elas nos
olharam de forma desdenhosa e riram. O motivo de eu não ter gravado
nada delas: No nosso primeiro encontro eu tive uma péssima impressão
delas, então a partir do momento que eu gravo qualquer coisa
relacionada a elas, eu terei em minha memória algo ruim relacionado
a elas. Então eu quero dar a chance de que se nos encontrarmos de
novo, eu simplesmente não lembrarei de que foram elas que agiram
dessa forma e poderei ser o mais receptiva possível. Quero dar uma
chance não só a elas, como a mim mesma, de poder encontrá-las em
um outro momento, em uma outra situação.
De
repente, percebemos que nossa hora chegou e tínhamos que voltar para
o quartinho. Nesse percurso encontramos quatro pessoas lindas em um
quarto (não lembro do nome de nenhuma das quatro!!! Dessa vez eu me
superei...). Dois pacientes e duas acompanhantes. O senhor perto da
janela dormia serenamente enquanto sua esposa, uma senhora, o
observava em sua poltrona. O outro paciente era um jovem que estava
acompanhado de sua tia. As acompanhantes eram lindas e faziam questão
de ressaltar como nossa presença as alegravam, mal elas sabiam que a
presença delas nos fazia transbordar! O jovem não falava nada e a
senhora nos disse: "Ele é muito tímido, se vocês conseguirem
fazê-lo falar, a tia dele vai ganhar o dia!". Tentamos de tudo,
fala oral, libras, linguagem ocular, corporal, tentamos de tudo
mesmo! Até que quando começamos a conversar com sua tia, ele se
intrometeu e emitiu três palavras! "Ele falou, ele falou, nós
conseguimos!!!". Nessa hora o quarto virou uma alegria, mas
dessa vez o jovem não emitiu nenhum som. Muito difícil esse
menino!!!!
Infelizmente depois desse último encontro, tivemos que ir embora. Adoramos o 10° andar, foi algo muito muito muito mais além do que esperávamos. Tantos encontros, tantas histórias, tantos ensinamentos... Tantos e tantas! Espero voltar muito em breve e espero, por mais que eu sinta falta deles, não encontrar mais nenhum desses pacientes e acompanhantes por lá, desejo que todos estejam em seus respectivos lares e que sejam acolhidos da mesma forma que nós fomos. Espero voltar ao 10° andar e ter novos encontros com novas histórias e novos ensinamentos.
Infelizmente depois desse último encontro, tivemos que ir embora. Adoramos o 10° andar, foi algo muito muito muito mais além do que esperávamos. Tantos encontros, tantas histórias, tantos ensinamentos... Tantos e tantas! Espero voltar muito em breve e espero, por mais que eu sinta falta deles, não encontrar mais nenhum desses pacientes e acompanhantes por lá, desejo que todos estejam em seus respectivos lares e que sejam acolhidos da mesma forma que nós fomos. Espero voltar ao 10° andar e ter novos encontros com novas histórias e novos ensinamentos.
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