domingo, 1 de fevereiro de 2015

O coração dos outros bate, o meu apanha

  Hoje Pandolfo e eu fomos para a nefrologia. Diria que tivemos muitos pontos baixos, muitas patadas e momentos de silêncio. Mas o que mais me marcou no dia de hoje, foi a impressão de ter encontrado velhos amigos para conversar.  As conversas foram sobre a vida inteira, ou sobre um simples retorno, de certa forma me senti realmente amiga de muitos dos pacientes ali, não apenas pela pergunta que alguns fizeram: Faz tempo que não te vejo aqui?, mas principalmente por chegar como alguém já esperado e poder ter deles familiaridade. Tal fato poderia ser uma armadilha, podendo nos jogar para uma zona de conforto, porém assim não se fez, pois como velhos amigos sempre uma boa e velha brincadeira surge.
 Logo ao sair do corredor encontramos chefa. Ela era uma acompanhante que estava no corredor, e que logo colocamos na posição de comandante, perguntando para qual quarto ela ia nos mandar para trabalhar. Só que chefa não era muito boa para indicar não.  Nos mandou de cara para um quarto onde tinha duas Maria José e uma mulher que iniciou “bem “a atuação. Essa paciente na nossa entrada, fechou logo a cara e disse “não quero graça hoje não”. Passou todos os momentos em que ficamos no quarto bufando e com a cara amarrada, na hora que iríamos embora disse “vão tarde”, enfim não foi muito receptiva. Já uma das Maria era um tanto apática, nossa presença não fazia muito diferença, já a outra nos recebeu muito bem e entrou em várias das brincadeiras, investimos nela o quando podíamos, inclusive em sua filha, que apesar de muito simpática, tinha acabado de ser assaltada e estava resolvendo alguns problemas. É,  ali não era o nosso momento.
   Ao sair fomos para chefe, reclamar que ela não sabia nos administrar direito. Qual é o próximo local? Ela mandou para um quarto e fomos expulsos de lá, pois estava sendo feito um procedimento de raio X. Chefe para onde vamos? Para lá. Um quarto onde uma senhora estava isolada, pois seu marido tinha pegado uma bactéria e piorado. O clima não estava nada bom. Ela era apática em relação a nós, mas respondia e interagiu uma hora em que falamos de flores, já que ela era de Jardins de São Paulo. Depois de tantas furadas, chefe finalmente nos levou para um local que podia nos acolher. Ela nos apresentou seu acompanhante, seu Cícero. Um sanfoneiro muito renomado, tinha uma Banda chamada Verdes Mares, e já tinha se apresentado em vários lugares. Conversamos muito com ele, soubemos de suas conquistas: 4 esposas, 134 amantes, 11 filhos, 25 netos, uma filha mais nova de lindos cachos dourados, dois filhos sanfoneiros, um salário de dez mil, uma casa de show para 4 mil pessoas, dois carros e muitas lições de vida. Entre muito bate papo, parecia que Sebastiana e Pandolfo assumiram Lívia e Caio por um minuto, escutávamos, tirávamos onda como amigos antigos. Mulher casada tem cheiro de chumbo. Chefa, vou te cheirar. Eita, chefa é de ferro. O chumbo de Pandolfo é pequeno. Vamos aprender a seduzir. Marcamos até de pegar o CD dia 22. Foi uma conversa entre amigos, com o incremento de algumas risadas. Vamos ali pegar uma caneta, para ter o autógrafo da sua celebridade. E realmente pegamos a caneta e seu autógrafo.
   Nos outros quartos o clima novamente foi nesse ritmo. Fomos no quarto do seu Severino e de Musa, que nessa hora descansavam, lá encontramos uma antiga amiga que desdá nossa primeira visita estava lá, brincamos como sempre. Conhecemos uma nora e sua sogra, quando estávamos sós, ela falou que a sogra era uma cobra. Ela por sinal nos deve até agora dez centavos, afinal fizemos sua sogra rir, prenda impossível a seus olhos. Ao voltar novamente ao quarto, seu Severino e Musa já estavam acordados, e com eles começamos a falar. Tudo ia no mesmo jeito leve de sempre, até que descobrimos que seu Severino já foi no show de Rita Cadillac e não tinha conseguido pegar a calcinha dela.  Sebastiana: Se eu jogar a minha, o senhor se levanta até dessa cama? Severino: Opa agora nós vamos ver? Risadas a mil, bom para ver como uma leve safadeza pode animar uma velha amizade.
    Na área da hemodiálise, outro senhor espilicute. Seu Manoel, como sempre rejeitando a mulher e querendo fogo das outras. Me disse que eu estava fraca, não tão animada como antes, foram necessárias várias novas chegadas e gritos pra ele ver a força, que estava errado. Mas como seria de praxe, a alegria pura de seu Manoel só veio mesmo, quando descobriu que estava entre três mulheres, ai podia ser fraca como fosse, como ele mesmo disse ele estava topando tudo.
      Pandolfo também foi seduzido ao som de Pablo, e descobrimos que os corações dos outros batem, e o meu só apanha.  Dentro dessa dinâmica fui ensinada, que se alguém canta que a “Muriçoca soca, soca, soca”, coisa boa ela não quer, e que se Pandolfo canta “Esse cara sou eu”é porque tem safadeza também. Vimos outra velha conhecida, hoje sua bola de stress virou uma bola de tênis, e ela uma jogadora profissional de tênis, que ao invés da raquete usava a mão, e ia treinar de bater na gente. Falamos da novela e de todos os babados que iam ainda acontecer.
    Junior e Pandolfo, amanhã, iam ficar muito felizes com o jogo do Sport. Quem será a palhaça que não é do Santa Cruz como eu, que conseguiu o coração de Junior e todos os lanches que ele tinha trazido? Se eu revelar para ele que não torço para nada, posso comer?
     Na sala de espera, nosso comandante militar estava lá. Ele e o amigo, o motorista do Curado, nos falaram muito sobre o fato do Curado só ter gente feia. Epa, eu sou de lá, isso significa alguma coisa? Indiretas não faltaram para “minha beleza “. O comandante ainda comentou sobre o seu rebaixamento a segurança de guarda- roupa, e teve também sofrência truando com Pablo no celular do Motorista.
Momentos peculiares da atuação:
·         O contato que apesar de sem muito retorno, devido as condições, que tive com a cozinheira de pele muito macia, que esperava sua entrada na hemodiálise. Mesmo sem forças, seu cabelo e sua pele continuam lindos, macios e hidratados. Como uma flor, tenho fé que essa água vai invadi-la como um todo, e vai lhe retornar a vida.
·         Ao sair dando tchau sem a roupa de palhaço, por um momento, passamos pelo quarto das Marias. A mesma Maria apática brilhou os olhos a nos ver sem nada. Talvez a melhor roupa para ela fosse algo menos chamativo. Sem a maquiagem e sem o nariz, na nossa forma normal, foi quando ela nos chamou de lindos.
·         Na descida uma linda de outro andar, e de um atuação longínqua nos reconheceu e ainda retomou uma antiga brincadeira com Caio, que nem eu lembrava que tínhamos feito. Ela perguntou se eu ainda ia vender ele, porque ela estava querendo um abajur. E eu boba com a lembrança disse: Deu sorte, ele tá na promoção.

    É estranho gostar tanto dessa sensação de familiar, e ao mesmo tempo não querer que ela exista? Afinal, quanto mais próxima o contato se torna, mais tempo aquelas pessoas estão lá. Parece que mesmo sendo a amizade batendo, meu coração continua a apanhar.


 Foto tirada depois da atuação com o autógrafo do seu Cícero. Mesmo que a água tire, depois do banho, ele ainda vai ficar um tempão marcado na nossa vida.

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