Hoje Pandolfo e eu fomos para a nefrologia. Diria que tivemos muitos
pontos baixos, muitas patadas e momentos de silêncio. Mas o que mais me marcou
no dia de hoje, foi a impressão de ter encontrado velhos amigos para
conversar. As conversas foram sobre a
vida inteira, ou sobre um simples retorno, de certa forma me senti realmente
amiga de muitos dos pacientes ali, não apenas pela pergunta que alguns fizeram:
Faz tempo que não te vejo aqui?, mas principalmente por chegar como alguém já
esperado e poder ter deles familiaridade. Tal fato poderia ser uma armadilha,
podendo nos jogar para uma zona de conforto, porém assim não se fez, pois como
velhos amigos sempre uma boa e velha brincadeira surge.
Logo ao sair do corredor encontramos chefa.
Ela era uma acompanhante que estava no corredor, e que logo colocamos na
posição de comandante, perguntando para qual quarto ela ia nos mandar para trabalhar.
Só que chefa não era muito boa para indicar não. Nos mandou de cara para um quarto onde tinha
duas Maria José e uma mulher que iniciou “bem “a atuação. Essa paciente na
nossa entrada, fechou logo a cara e disse “não quero graça hoje não”. Passou
todos os momentos em que ficamos no quarto bufando e com a cara amarrada, na
hora que iríamos embora disse “vão tarde”, enfim não foi muito receptiva. Já
uma das Maria era um tanto apática, nossa presença não fazia muito diferença,
já a outra nos recebeu muito bem e entrou em várias das brincadeiras,
investimos nela o quando podíamos, inclusive em sua filha, que apesar de muito
simpática, tinha acabado de ser assaltada e estava resolvendo alguns problemas.
É, ali não era o nosso momento.
Ao sair fomos para chefe, reclamar que ela não sabia nos administrar
direito. Qual é o próximo local? Ela mandou para um quarto e fomos expulsos de
lá, pois estava sendo feito um procedimento de raio X. Chefe para onde vamos?
Para lá. Um quarto onde uma senhora estava isolada, pois seu marido tinha
pegado uma bactéria e piorado. O clima não estava nada bom. Ela era apática em
relação a nós, mas respondia e interagiu uma hora em que falamos de flores, já
que ela era de Jardins de São Paulo. Depois de tantas furadas, chefe finalmente
nos levou para um local que podia nos acolher. Ela nos apresentou seu
acompanhante, seu Cícero. Um sanfoneiro muito renomado, tinha uma Banda chamada
Verdes Mares, e já tinha se apresentado em vários lugares. Conversamos muito
com ele, soubemos de suas conquistas: 4 esposas, 134 amantes, 11 filhos, 25
netos, uma filha mais nova de lindos cachos dourados, dois filhos sanfoneiros,
um salário de dez mil, uma casa de show para 4 mil pessoas, dois carros e
muitas lições de vida. Entre muito bate papo, parecia que Sebastiana e Pandolfo
assumiram Lívia e Caio por um minuto, escutávamos, tirávamos onda como amigos
antigos. Mulher casada tem cheiro de chumbo. Chefa, vou te cheirar. Eita, chefa
é de ferro. O chumbo de Pandolfo é pequeno. Vamos aprender a seduzir. Marcamos
até de pegar o CD dia 22. Foi uma conversa entre amigos, com o incremento de
algumas risadas. Vamos ali pegar uma caneta, para ter o autógrafo da sua
celebridade. E realmente pegamos a caneta e seu autógrafo.
Nos outros quartos o clima novamente foi nesse ritmo. Fomos no quarto do
seu Severino e de Musa, que nessa hora descansavam, lá encontramos uma antiga
amiga que desdá nossa primeira visita estava lá, brincamos como sempre. Conhecemos
uma nora e sua sogra, quando estávamos sós, ela falou que a sogra era uma cobra.
Ela por sinal nos deve até agora dez centavos, afinal fizemos sua sogra rir,
prenda impossível a seus olhos. Ao voltar novamente ao quarto, seu Severino e
Musa já estavam acordados, e com eles começamos a falar. Tudo ia no mesmo jeito
leve de sempre, até que descobrimos que seu Severino já foi no show de Rita Cadillac
e não tinha conseguido pegar a calcinha dela. Sebastiana: Se eu jogar a minha, o senhor se
levanta até dessa cama? Severino: Opa agora nós vamos ver? Risadas a mil, bom
para ver como uma leve safadeza pode animar uma velha amizade.
Na área da hemodiálise, outro senhor
espilicute. Seu Manoel, como sempre rejeitando a mulher e querendo fogo das
outras. Me disse que eu estava fraca, não tão animada como antes, foram
necessárias várias novas chegadas e gritos pra ele ver a força, que estava
errado. Mas como seria de praxe, a alegria pura de seu Manoel só veio mesmo,
quando descobriu que estava entre três mulheres, ai podia ser fraca como fosse,
como ele mesmo disse ele estava topando tudo.
Pandolfo também foi seduzido ao som de
Pablo, e descobrimos que os corações dos outros batem, e o meu só apanha. Dentro dessa dinâmica fui ensinada, que se alguém
canta que a “Muriçoca soca, soca, soca”, coisa boa ela não quer, e que se
Pandolfo canta “Esse cara sou eu”é porque tem safadeza também. Vimos outra
velha conhecida, hoje sua bola de stress virou uma bola de tênis, e ela uma
jogadora profissional de tênis, que ao invés da raquete usava a mão, e ia
treinar de bater na gente. Falamos da novela e de todos os babados que iam
ainda acontecer.
Junior e Pandolfo, amanhã, iam ficar muito
felizes com o jogo do Sport. Quem será a palhaça que não é do Santa Cruz como
eu, que conseguiu o coração de Junior e todos os lanches que ele tinha trazido?
Se eu revelar para ele que não torço para nada, posso comer?
Na sala de espera, nosso comandante
militar estava lá. Ele e o amigo, o motorista do Curado, nos falaram muito
sobre o fato do Curado só ter gente feia. Epa, eu sou de lá, isso significa
alguma coisa? Indiretas não faltaram para “minha beleza “. O comandante ainda comentou
sobre o seu rebaixamento a segurança de guarda- roupa, e teve também sofrência truando
com Pablo no celular do Motorista.
Momentos peculiares da atuação:
·
O contato que apesar de sem muito retorno,
devido as condições, que tive com a cozinheira de pele muito macia, que esperava
sua entrada na hemodiálise. Mesmo sem forças, seu cabelo e sua pele continuam
lindos, macios e hidratados. Como uma flor, tenho fé que essa água vai invadi-la
como um todo, e vai lhe retornar a vida.
·
Ao sair dando tchau sem a roupa de palhaço, por
um momento, passamos pelo quarto das Marias. A mesma Maria apática brilhou os
olhos a nos ver sem nada. Talvez a melhor roupa para ela fosse algo menos
chamativo. Sem a maquiagem e sem o nariz, na nossa forma normal, foi quando ela
nos chamou de lindos.
·
Na descida uma linda de outro andar, e de um
atuação longínqua nos reconheceu e ainda retomou uma antiga brincadeira com Caio,
que nem eu lembrava que tínhamos feito. Ela perguntou se eu ainda ia vender
ele, porque ela estava querendo um abajur. E eu boba com a lembrança disse: Deu
sorte, ele tá na promoção.
É estranho gostar tanto dessa
sensação de familiar, e ao mesmo tempo não querer que ela exista? Afinal, quanto
mais próxima o contato se torna, mais tempo aquelas pessoas estão lá. Parece
que mesmo sendo a amizade batendo, meu coração continua a apanhar.
Foto tirada depois da atuação com o autógrafo do seu Cícero. Mesmo que a água tire, depois do banho, ele ainda vai ficar um tempão marcado na nossa vida.