domingo, 14 de agosto de 2016

O dia das atuações (parte 2): o grande baque

É possível ter atuações ruins na pediatria. Não pensava que seria pois sempre tinha encontros otimos com as crianças por lá. Esse dia em específico eu considero como "O baque", aquela famosa queda que te faz repensar as suas estratégias e mecanismos de atuação que Gentileza tanto fala.

Estava empolgada pois nunca havia atuado com Toni linda :) Sempre interessante observar as dinâmicas de contato de MCM pra MCM. Ainda que empolgada estava bem quebrada, pois foi uma semana intensa da palhaço pra mim. Havia participado como monitora da oficina de Gentileza (sabado, domingo e segunda), na terça e na quarta rolou aprofundamento do PERTO e quinta e sexta atuação nos setores do HC. Percebi uma facilidade maior de subir a energia, mesmo com o corpo cansado. A energia era uma dificuldade que eu tinha, principalmente para mantê-la durante toda a atuação. Pois ela tende a oscilar bastante. Mas agora me percebo mais estável e com o corpo mais vivo e alerta por períodos mais longos.

Tudo começou bem e tranquilo ate que decidimos obedecer aos comandos dos pestinhas. Até então estava ok, estavamos jogando COM eles e não PARA eles. Laurinha foi uma fofa dessa vez e eu amei revê-la. Já havia atuado com ela no carnaval e ela estava bastante reclusa no dia, mas ainda assim se abriu um pouco comigo no dia. Me preocupou a forma de falar e as brincadeiras que ela sugeria, pois ela sempre queria que alguem fosse a mãe e alguém fosse a filha e que houvesse um momento em que a filha morria e o médico tinha que dizer que a filha havia morrido para a mãe. Essa "brincadeira" se repetiu algumas vezes durante a atuação com diferentes configurações. Me senti um pouco desconfortável pois me percebi analisando Laurinha, o que poderia ter gerado esse comportamento, e a sua acompanhante.

Outra criaturinha característica foi a princesa. Sim, A PRINCESA. Olha como o nome já chega a ser sugestivo. Ao vemos que ela estava usando uma coroa instantaneamente atribuimos a ela o poder real. E ela aceitou. E ela se apossou desse poder e usou como bem quis conosco. Acho que nunca me senti tanto como um objeto como quanto fui pra aquela menina. Começou devagar e apenas nos prendia quando faziamos algo errado, depois começou a nos exigir coisas. Queria que a gente a colocasse no braço e fizessemos palhaçadas pra ela. "Você não é palhaça? Faz uma palhaçada entao!". Eu e Toni percebemos o quanto fomos BESTAS com ela e mais um menino que estava presente. Que eram os que queriam comandar o jogo.

Depois de um tempo fazendo o que eles queriam eles começaram a abusar da gente. SERIO. A puxar o cabelo, tentar pegar o nariz da gente. Houve um momento em que o menino agarrou o nariz da Toni e eu jurava que ia estourar, mas  ai eu fiz cocegas nele e ele veio pra cima de mim. POW. o elastico estoura e o nariz cai. A máscara cai. NO MEIO DA ATUAÇÃO. Na hora, eu lembrei do quanto eu atuei sem máscara na oficina da mesma semana e do quanto o nariz é um adereço, ainda que simbolico, do que o palhaço representa. Foquei nisso e disse: é só um nariz. O menino se sentiu mal por uns instantes e pediu desculpa. A toni ficou boquiaberta com a minha reação na hora e as outras crianças todas ficaram em pause observando a cena. Tive uma sensação de alerta aumentada daquilo e conseguiria descrever até a manchinha no chão do lado do nariz que caiu. Aquele momento em que as coisas acontecem em camera lenta. Virei de costas e tentei ver se o nariz segurava sem o elastico. Não segurou. Coloquei o nariz dentro da saia e me virei. As coisas haviam voltado à velocidade normal e Samambaia estava atuando a todo vapor com os pivetes novamente. Tentei me inserir no jogo mas fui percebendo a minha energia despencando. Toni percebeu e prontamente buscou me tirar dali. Caiu a ficha do choque do que a aconteceu e eu travei. Travei valendo. Apenas senti a mão de Toni me arrastando pras escadas e e via as crianças vindo atras da gente. De repente estavamos correndo e descemos as escadas pro 5 andar do lado do elevador. Lá, Toni vira de costas e desce a mascara. Percebi o cuidado que ela teve ao me perguntar como estava me sentindo e o que eu achava que devíamos fazer. Não soube responder. Tentar consertar o nariz? Como atuar de novo com essa energia? Finalizar a atuação? Decidimos voltar pro setor e atuar até achar a chave para irmos. A principio achamos melhor encerrar por ali. Toni tirou o nariz para atuar igual comigo, e a ela agradeço demais pela cumplicidade. Foi um dos momentos mais singelos de encontro que já tive com um MCM <3

Ao voltarmos para o setor, depois de subir a energia novamente (mas sem nariz), iniciamos a saga de busca da enfermeira com a chave. Ela estava fazendo um procedimento em um dos pacientes e tivemos que esperar. Por enquanto os pestinhas(haha!) nos encontraram novamente! A princesa começou a fazer exigencias cada vez maiores e eu e Toni nos recusavamos a obedecer. Ela fingia que chorava toda vez que ouvia um não ou nao davamos atenção ao que ela dizia. O menino que arrancou meu nariz queria tambem que fizessemos o que ela queria e se voltava contra a gente quando nao obedeciamos. A princesa resolveu empurrar a toni mas ela usou a tecnica do tronco duro e ela nao conseguiu derrubá-la. O menino viu isso e testou comigo. MAS EU NÃO ESTAVA ALERTA. Buft! Na parede. Alguns outros momentos PEM se seguiram ainda até encontrarmos a chave, como puxões de cabelo e amargar por que o menino disse que eu parecia um homem pois sou muito peluda. E entendi o que Gentileza falava sobre o quanto devemos ter consciência dos nossos "defeitos" ou coisas que queremos esconder, pois para o palhaço é aquilo que o torna humano e não motivo para se sentir mal. Sem contar que é bem possivel que os outros reparem e tentem usar isso conosco. Não pretendo deixar coisas desse tipo me afetarem. Ainda que na hora não transpareci. Continuei no jogo e disse que sim, sou homem. O problema foi quando a princesa quis tirar a prova e tentou abaixar a minha saia. Ah, crianças adoráveis!

Quando encontramos a enfermeira e entramos no quarto eles passaram o tempo INTEIRO que nos trocavamos batendo na porta e nos mandando sair de lá e voltar.


Momento PEM reflexivo: O menino olhou nos meus olhos e disse que eu tinha que fazer o que eles queriam. Perguntei o por que. E ele respondeu: Por que vocês podem sair da UPA (acredito que se referia ao HC) e a gente não. E isso partiu meu coração em mil pedacinhos. Tanto ele quanto a menina, a princesa, me lembrou do que acontece com as pessoas quando elas não recebem atenção. Do que somos capazes para desesperadamente buscar um vinculo com outro ser humano. É triste mesmo. Mas no fundo no fundo, todos nós só queremos ser amados.

Momento delícia: Foi encontrar com Rai no meio da atuação <3 Antes de tudo começar a dar terrivelmente errado. Brincamos de como ele era palhaço e a gente não. E foi a coisa mar linda! Percebi ele super querendo se juntar a gente e a energia subindo! Quase sugeria uma daquelas cabines telefônicas do Superman pra ele se trocar e se juntar a nós <3

Um comentário:

Tony disse...

Só queria deixar registrado o quanto eu te adoro <3